sexta-feira, 20 de junho de 2014

EDITORIAL: Cuidar dos desabrigados, superar desafios e entender a tragédia

Ion de Andrade


A catástrofe que se abateu sobre o bairro de Mãe Luiza, felizmente sem deixar vítimas até agora, decorre de um conjunto de fatores de curto, médio e longo prazo, que atuaram na geologia da área permitindo que as chuvas torrenciais recentes    tenham agido como um fator desencadeador.
A igreja católica, o Centro Sócio-Pastoral, aS  igrejas evangélicas e várias organizações da comunidade, desde a primeira hora, ofereceram os seus espaços para o acolhimento das famílias que perderam o que tinham e que devem continuar  sendo alvo do nossos cuidados, carinho e         compaixão até que o problema tenha realmente ficado para trás, o que demorará algum tempo. No nosso caso, a Casa Crescer e a Escolinha Espaço Livre foram disponibilizadas para receber os      desabrigados. A igreja católica destinou o seu    espaço para recepcionar as doações.
Através de conversas informais com especialistas da área de infraestrutura urbana e estudiosos da dinâmica de ocupação da orla marítima de Natal na qual o bairro Mãe Luiza se insere, vimos que há vários indícios sobre os fatores concorrentes para esse problema:
a) Obras de engenharia para contenção das    encostas: provavelmente os muros de arrimo e  outras obras de contenção que visam proteger os prédios implantados na orla de Areia Preta         contribuíram para represar uma água que em     circunstâncias naturais teria descido até a praia por toda a encosta, impedindo a concentração num ponto mais fraco que funcionou como corredor de drenagem destruindo tudo;
b) Fragilidade da rede de esgoto e de drenagem pluvial: avalia-se que o sub dimensionamento da rede de esgoto e águas pluviais da Rua Guanabara seja um forte vetor gerador desse problema.      Ressalta-se que representações comunitárias de Mãe Luzia acompanhavam há mais de dez anos essa questão, sem contudo obter êxito no redirecionamento dos projetos junto ao órgão   competente.
c) Ligações clandestinas da rede de esgoto e de drenagem pluvial, além da obstrução da tubulação por acúmulo de lixo e
d) Chuvas torrenciais.
Como vemos, de um jeito ou de outro, a ação humana sobre o meio ambiente contribuiu para a eclosão de uma catástrofe ambiental com consequências devastadoras principalmente para as famílias que vivem na Rua Guanabara e no seu entorno.
É importante que a dinâmica completa do fenômeno seja compreendida por todos, pois a mídia tem    acentuado como causa única, além das chuvas,    apenas o fator que envolve Mãe Luiza: o acúmulo de lixo nas tubulações e supostas construções      desordenadas, o que aliás coincide com um conceito a priori sobre o bairro. Na verdade, possuidora de uma lei de uso e ocupação do solo específica nos marcos do Estatuto da Cidade, as casas em Mãe   Luiza, desde 1995, respondem a um padrão de     ocupação mais restritivo e adequados às suas        especificidades sociais e físico ambientais, o que certamente concorreu para minimizar a gravidade do desastre.
De resto vale sinalizar positivamente:
a) a solidariedade da sociedade que está fazendo afluir a Mãe Luiza grande quantidade de donativos, água, roupas, alimentos, colchões e muito mais e
b) o compromisso da prefeitura com a reconstrução das casas e com as obras de drenagem, combinadas com um projeto urbanístico que possa converter   aquele corredor num espaço seguro, belo e de      cidadania.
Parabéns à sociedade pela solidariedade e à prefeitura por liderar a iniciativa de reconstruir e de assegurar o não deslocamento de famílias.
Necessário ainda se faz a concretização do aluguel social, que foi também assegurado pelo município para que, durante o tempo de espera da finalização das, os desabrigados possam estar alojados           dignamente.
A hora agora é de cerrar fileiras para reconstruir, aprender com o ambiente e com a ação humana    sobre ele, corrigir erros e fazer do problema uma oportunidade para dias melhores.

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